"Tenta te orientar pelo calendário das flores, esquece por um momento os números, a semana, o dia do teu nascimento. Se conseguires ser leve, aproveite, enche tuas malas de sonho e toma carona no vento."

Fernando Campanella

domingo, setembro 4

"Somos todos atores"

Interessante essa fala de Boal quando coloca que nossa ações no dia-a-dia estão estruturadas  de maneira teatral. Que tudo que fizemos no palco, fizemos também em nossas vidas!! Entendo agora o jargão: "Somos todos atores"!!
Logo,  um artigo muito interessante que li na revista Planeta, assinado por A. Boal, ocasião Jornada Mundial de Teatro em março de 2009.
Posto para vcs apreciarem com maior intensidade...




No teatro da vida somos todos atores


O teatro não é apenas um acontecimento, é um modo de vida. Embora muitas vezes não tenhamos consciência disso, as relações humanas são estruturadas de modo teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e da modulação da voz, a confrontação das ideias e das paixões, tudo o que fazemos sobre o palco, fazemos também nas nossas vidas: o teatro somos nós! Uma das principais funções da arte do teatro é trazer à nossa consciência os espetáculos da vida cotidiana onde palco e salão, atores e espectadores se confundem. Somos todos artistas: ao fazer teatro, aprendemos a ver essas coisas que saltam aos nossos olhos, mas que não podemos ver, a tal ponto estamos pouco habituados a olhar.



O teatro é a verdade escondida. Em setembro, fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver num mundo seguro, apesar das guerras, dos genocídios, das hecatombes e das torturas que existiram e existem, claro, porém longe de nós, em terras distantes e selvagens; nós, que vivíamos em segurança com nosso dinheiro aplicado num banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa, fomos informados que esse dinheiro era apenas virtual.



Uma ficção de mau gosto proferida por alguns economistas nada fictícios, e também nada seguros nem respeitáveis. Tratava-se de um teatro ruim, de uma intriga sinistra na qual uns poucos ganham muito e muitos perdem tudo. Políticos de países ricos mantiveram reuniões secretas, inventando soluções mágicas. E nós, vítimas de suas decisões, permanecemos simples espectadores, sentados na última fila do balcão do teatro.


Uma das principais funções da arte do teatro é trazer à nossa consciência os espetáculos da vida cotidiana em que palco e salão, atores e espectadores se confundem.


Há 20 anos, montei Fedra, de Racine, no Rio de Janeiro. Os cenários eram pobres: couros de vaca atirados no chão, varas de bambu delimitando os arredores. Antes de cada representação, eu dizia aos atores: a ficção que criamos no dia a dia terminou. Quando vocês tiverem ido para além desses bambus, não terão mais o direito de mentir. O teatro é a verdade escondida.



Quando olhamos para além das aparências, vemos opressores e oprimidos, em todas as etnias, classes e castas sociais; vemos um mundo injusto e cruel. Temos de inventar um outro mundo, pois sabemos que um outro mundo é possível. Mas toca a nós construí-lo, com nossas próprias mãos, entrando em cena, sobre os palcos e em nossas vidas. Somos todos atores: ser cidadão não significa viver em sociedade; significa mudar a sociedade.

                                                                                Augusto Boal














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