"Tenta te orientar pelo calendário das flores, esquece por um momento os números, a semana, o dia do teu nascimento. Se conseguires ser leve, aproveite, enche tuas malas de sonho e toma carona no vento."

Fernando Campanella

terça-feira, julho 22

Educação ambiental

Recebi o boletim da Revista Sustentabilidade, nele um artigo que com certeza, serve para nós educadores que queremos sair da mesmice de currículos engessados norteados por princípios e valores que se apresentam como verdades estabelecidas e imutáveis!!!
Um bj, Val


De professor para professor: o desafio da transversalidade da educação ambiental
por Dayane Cunha 21/07/2008


O olhar do professor é um olhar qualificado que busca sempre a transmissão de informações e valores. Este é o cerne de todo planejamento educacional. Já o jornalista especializa-se na transmissão de informação, não sempre desprovida de valores ou ideologias.
O encontro destas duas profissões, portanto, abre um grande potencial, pois as técnicas são diferentes. E já que antes de entrar para o jornalismo fui professora, o antigo ofício me ajudou numa entrevista com uma educadora ambiental para a Revista Sustentabilidade.
Assim, entendendo as motivações e os desafios do professor, percebo que trabalhar a educação ambiental nas escolas é muito mais que pintar desenhos em comemoração ao dia da árvore, plantar um feijão num copo descartável ou fazer um brinquedo de sucata. Para a professora Bere Gehlen Adams, educação ambiental deve ser encarada como um elo entre todas as disciplinas para preencher uma lacuna e valorizar o meio ambiente, e portanto, a vida.
Esta colocação trouxe à tona minha experiência como professora, quando tentei trabalhar o tema com meus alunos de educação infantil.
As conversas duraram duas semanas, pois tentávamos, a cada troca de e-mail, destrinchar como funcionaria uma programação e como um professor pode começar a desenvolver o tema de educação ambiental em sua aula de aula.

Leia abaixo os principais trechos da conversa.

Revista Sustentabilidade: Conte um pouquinho da sua rotina diária e a rotina de um professor ambiental.




Professora na hora do conto-fonte Revista Sustentabilidade-


Bere Gehlen Adams: Normalmente, pela manhã, acesso o site para ler os recados que são minha fonte de inspiração para prosseguir nesta jornada, que às vezes é um tanto árduo pelas dificuldades em conseguir verbas e parcerias. Para minha rotina, que é um tanto flexível, tenho um cronograma e estabeleço metas de acordo com este cronograma. Nas semanas anteriores, por exemplo, trabalhei intensamente na ampliação de uma coleção infantil voltada para crianças, desde o texto, ilustrações, atividades, editoração até a formatação; na atualização do site do Projeto, na programação da revista eletrônica que está em sua 24ª edição (www.revistaea.org). Então, divido meu tempo entre atividades com a editora e com o projeto.

Revista Sustentabilidade: Como introduzir educação ambiental na educação formal? Virar disciplina obrigatória seria a solução?

Adams: A lei 9795 que institui a educação ambiental no Brasil é clara e coerente com os princípios da educação ambiental delimitados por diferentes coletivos através de conferências internacionais como a Conferência de Tbilisi, a de Belgrado, a Eco-92, que prioriza sua prática como interdisciplinar e orienta a sua inclusão em todas as séries do ensino formal, portanto, desde a educação infantil ao ensino superior.

Revista Sustentabilidade: A interdisciplinaridade tem funcionado?

Adams: Infelizmente esta prática ainda não é efetivada, e muitas escolas optam por engessar a educação ambiental em uma disciplina separada, quando ela deveria estar em todas. Essa questão é muito debatida entre educadores ambientais. Muitos são a favor da criação da disciplina, pois desta forma ela acontece com um professor responsável, uma grade de temática a ser seguida - os famosos conteúdos curriculares - . Na forma interdisciplinar a educação corre o risco de não se efetivar, pois como é de responsabilidade de todos, é de responsabilidade de ninguém ao mesmo tempo.

Revista Sustentabilidade: Por que esta confusão?

Adams: Por desconhecimento dos princípios da educação ambiental contidos nos principais documentos referência que são: O Tratado de Educação Ambiental para Sociedade Sustentavel e Responsabilidade Global, a Carta da Terra e a Lei 9795, entre outros. É preciso promover a capacitação dos profissionais da educação para que tenham suporte teórico, didático e metodológico para a inclusão da educação ambiental na educação formal. [Os educadores] só não praticam a educação ambiental porque sentem falta de referências e de orientação.

Revista Sustentabilidade: Como deve ser o preparo dos professores em educação ambiental?

Adams: Os professores devem participar de atividades que os sensibilizem para a necessidade de uma mudança de postura em relação aos nossos costumes e hábitos e devem ter conhecimento dos documentos que citei anteriormente. Por isto a educação ambiental não é uma tarefa fácil, pois todo educador deverá mudar, passando a enxergar o mundo de forma diferente, e este é o maior desafio que a educação ambiental tem pela frente. Neste sentido a revista eletrônica Educação Ambiental em Ação, do Projeto Apoema, dá um enorme contribuição aos educadores. Também almejamos futuramente fazer uma versão impressa da revista, para alcançar pessoas que são excluídas do universo digital.

Revista Sustentabilidade: Quais os temas que devem ser tratados em educação ambiental? Como trabalhar a interdisciplinaridade? Pode citar um exemplo?

Adams: Depois de conhecidos os princípios e as bases da educação ambiental, sugiro para o professor da educação Infantil ou das séries iniciais do ensino fundamental que faça uma atividade exploratória com as crianças para descobrir o que mais desperta a curiosidade e o interesse delas sobre as questões ambientais. Pode ser através de brincadeiras com imagens, listagens de palavras, alguma história infantil, vai depender da criatividade do docente. Depois de descobrir a temática de interesse, sugiro elaborar um projeto propondo atividades variadas, explorando ao máximo o tema.

Revista Sustentabilidade: Cite alguns exemplos.

Adams: Por exemplo, se o tema for animais, o professor poderá planejar atividades envolvendo animais do bairro, animais de estimação, animais em extinção, animais grandes e pequenos, necessidades dos animais, importância dos animais para o ambiente, necessidades físicas dos animais, cuidado com os animais, classificação dos animais e por aí vai.
É importante abordar as temáticas e desenvolver projetos associando à quatro enfoques: ambiente (A relação do ambiente com a temática abordada e vice-versa), ecologia (as inter-relações que a temática envolve e necessidades vitais), preservação (relação da temática com a preservação) e reciclagem (relação da temática envolve reciclagem) procurando associar as temáticas de interesse que estão sendo trabalhadas a estes enfoques que possibilitarão uma série de associações dos processos de aprendizagem.
Estas atividades podem envolver todas as disciplinas e assim a educação ambiental vai sendo implantada aos poucos, de forma interdisciplinar. O professor atento perceberá o momento em que o assunto estiver esgotando a curiosidade das crianças, que indicarão interesse por outra questão, por exemplo, árvores, ou brinquedos. Aí ele poderá seguir o mesmo processo anterior.

Revista Sustentabilidade: E professores do Ciclo II do ensino fundamental e de ensino médio?

Adams: Se for um professor de disciplina específica, sugiro que estude a sua grade de conteúdos e veja onde poderá inserir os enfoques ambientais. Em português, por exemplo, as atividades podem ser relacionados ao meio ambiente: criar poemas, elaborar redações, criar histórias que remetam a importância do cuidado, da preservação.
Ou em geografia, o professor pode explorar as temáticas ambientais de distintas regiões, trabalhar ambiente natural e ambiente construído, enfatizando que tudo é meio ambiente, e não somente a natureza,. Além disso, é possível trazer assuntos como o estado dos rios do Brasil ou da cidade, a vegetação, a fauna, a flora, etc. E assim para as demais disciplinas.
Sempre digo que a educação ambiental funciona como um óculos, pois o nosso atual sistema de educação está míope, e a educação ambiental vem para corrigir essa distorção de ótica. Passamos a enxergar mais a vida em seu amplo contexto de relações através das lentes da educação ambiental.

Revista Sustentabilidade: Quando se fala em meio ambiente, as pessoas pensam em florestas, longe do ambiente em que vivem. Como mudar esta visão e mostrar que educação ambiental é educar para melhorar o ambiente em que se vive?

Adams: Trabalhar com a educação ambiental é trabalhar com o contraditório, e por isto é tão difícil de compreendê-la na sua prática. Mas é bem mais simples do que parece. Para tirar essa noção de que meio ambiente é algo fora de nós, ou simplesmente uma paisagem natural, com rios límpidos e florestas verdejantes, é importante desenvolver atividades com as crianças em espaços diversos, jardins, parques, museus, até shopping centers, se fizer parte da realidade das crianças, e utilizar estes espaços como Estruturas Educadoras.
Há uma linha teórica sobre este assunto, que aborda a educação ambiental numa simples volta na quadra da escola, ou mesmo dentro das dependências do ambiente educacional, pois tudo é ambiente, com a diferença que pode ser natural ou construído, e, em sendo construído, foi construído com elementos do ambiente.

Revista Sustentabilidade: Como assim?

Adams: Podemos exemplificar com uma escada de pedra que tenha um corrimão de madeira. Nossa! Dá para trabalhar muitas coisas, como: de onde vem aquelas pedras e aquela madeira? Quem as transformou? Aí entra o pedreiro e o marceneiro, [representando as] profissões. E quantos degraus tem essa escada? Quantas pedras tem nessa escada, que podemos contar? Aí entra matemática. E assim como a escada serviu como estrutura educadora, assim também temos inúmeros outros espaços que podem ser explorados incluindo sempre o enfoque ambiental. E outra coisa importante a salientar é que o professor não precisa ser biólogo, cientista, agrônomo, ele não precisa saber tudo sobre meio ambiente, pois vai aprender junto com seus alunos.

Revista Sustentabilidade: Qual seu conselho para o professor que deseja trabalhar com educação ambiental?

Adams: Um professor curioso e interessado também é fundamental para todo processo de aprendizagem. E é desta forma, educando diferente, inclusive conversando sobre as contrariedades que vivenciamos como a questão da separação do lixo e da falta da coleta seletiva.
É importante saber primeiro o que eu posso fazer para melhorar o meu relacionamento com o meio ambiente, pois esta mudança deve ser espontânea, e não deve ocorrer pela crítica ou pelo dedo apontado aos outros que ainda não se sensibilizaram para a importância de cuidar do meio ambiente.
É desta forma que os educadores podem oferecer para as crianças uma nova visão de mundo, lembrando que para nós adultos, é bem mais difícil, porque temos que primeiro desaprender tudo o que aprendemos, para reaprender a ler o mundo de forma interdisciplinar. Só então perceberemos que tudo está relacionado entre si, e que dependemos uns dos outros para viver.